Resenha em „Simplista na Pista“, Curitiba

O TEMPO PASSA COMO UM LEÃO QUE RUGE
(Die Zeit Vergeht Wie Ein Brüllender Löwe, Alemanha, 2013) Direção: Philipp Hartmann

Em 1984, um americano matou oito pessoas depois de passar 57 horas acordado pensando numa forma de desacelerar o tempo. Numa tribo do Japão, no século XIX, os velhos que completassem 70 anos deveriam subir a montanha e esperar a morte. Na Alemanha, a expectativa de vida é de 76 anos e meio.

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Perto de completar 38 anos (e três meses), o documentarista alemão Philipp Hartmann constatou estar chegando à metade de sua vida, segundo as estatísticas. Como trabalhar com a ansiedade de sentir o próprio tempo se esvaindo? Sofrendo de cronofobia (esse tal medo da passagem do tempo), Hartmann cria uma obra excepcional com “O Tempo Passa Como um Leão Que Ruge”.

Através de análise pessoal, filosófica, física e existencial, o diretor consegue discutir como o tempo influencia (e é influenciado) por todos. Afinal, o que é 1 segundo? É sempre igual? A vida é feita duma sucessão de segundos ou de momentos?

Perto do final do filme, uma personagem que sofre de perda de memória mostra seu diário, onde conta suas atividades dia a dia. Ao relê-las, nota que nada especial lhe acontece na maioria dos seus dias. São situações não memoráveis; então, para que ter memória? Ou será que exatamente por serem rotineiras é que elas se tornam especiais?

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O filme também funciona como uma carta de amor ao pai e ao tempo que eles passaram juntos. Contrariando as estatísticas, seu pai faleceu aos 61 anos. Foi ele quem presenteou o jovem Hartmann, aos 10 anos, com sua primeira câmera. Pouco depois veio a primeira filmadora e o feeling documental.

Logo nos créditos iniciais, assistimos fotos antigas tiradas por seu pai. É uma coleção das primeiras fotos de cada rolo de filme. Aquelas que queimam do lado esquerdo e que todo mundo descarta. Elas não registram “nada”, pois o evento fotografado sempre começa no registro seguinte. O diretor encara, lindamente, como fotos de um tempo antes do tempo.

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Também digno de nota, é uma sequência com a sobrinha do diretor. Aos 3 anos, ela é capaz de lembrar dos dinossauros, mas não de seus primeiros anos. Isso porque as crianças começam a guardar as próprias memórias a partir dos 3-4 anos. Ela vai se lembrar dessa gravação? O filme, com duração exata de 76 minutos e meio (um minuto para cada ano da expectativa de vida alemã) é repleto desses questionamentos. Ele não pretende ser uma obra definitiva sobre o tempo, pois sabe que esse é um conceito abstrato e subjetivo. Porém, incita reflexão sobre nós mesmos.

A nossa vida é pautada pelo tempo: aos 6 anos começamos ir à escola, aos 16 podemos votar, aos 18 dirigir. É como se o tempo fosse igual para todos. Assim, O Tempo Passa Como um Leão que Ruge se mostra como uma poesia filmada que te faz lembrar que um dia você também irá subir sua montanha para morrer sozinho. O que você fará com o tempo que você tem?

(Diego Denck em „Simplista na Pista“:

http://www.simplistanapista.com/2014/05/31/olhar-de-cinema-uma-questao-de-tempo/ )